quarta-feira, 25 de março de 2015

O homem que calculava...

PALAVRAS INÚTEIS – MALBA TAHAN


Logo que deixamos a companhia do cheique Nasair e do vizir Maluf, encaminhamo-nos para uma pequena hospedaria denominada Marreco Dourado, nas vizinhanças da mesquita de Solimã. Os nossos camelos foram vendidos a um chamir de minha confiança, que morava perto. Em caminho disse a Beremiz: - Já vê meu amigo, que tive razão quando afirmei que um calculista hábil acharia com facilidade um bom emprego em Bagdá! Mal você chegou, foi convidado para exercer o cargo de secretário de um vizir. Não precisará voltar para a tal aldeia de Khói, penhascosa e triste. - Mesmo que aqui prospere – respondeu-me o calculista – e enriqueça, pretendo voltar, mais tarde, à Pérsia, para rever o meu torrão natal. Ingrato é aquele que esquece a pátria e os amigos de infância, quando tem a felicidade de encontrar na vida, o oásis da prosperidade e da fortuna. E acrescentou tomando-me pelo braço: - Viajamos juntos, até o presente momento, 8 dias exatamente. Durante esse tempo, para esclarecer dúvidas e indagar sobre coisas que me interessavam, pronunciei, precisamente, 414.720 palavras. Ora, como em 8 dias há 11.520 minutos, posso concluir que durante a nossa jornada, pronunciei em média, 36 palavras por minuto, isto é, 2.160 por hora. Esses números mostram que falei pouco, fui discreto e não tomei o teu tempo fazendo-te ouvir discursos estéreis. O homem taciturno, excessivamente calado, torna-se desagradável; mas os que falam sem parar irritam ou enfastiam seus ouvintes. Devemos, pois, evitar as palavras inúteis sem cair no laconismo exagerado, incompatível com a delicadeza. A tal respeito, poderei narrar um caso muito curioso. Depois de ligeira pausa o calculista contou-me o seguinte: - Havia em Teerã, na Pérsia, um velho mercador que tinha três filhos. Um dia o mercador chamou os jovens e disse-lhes: “Aquele que passar o dia sem pronunciar palavras inúteis receberá de mim, um prêmio de vinte e três timões.” Ao cair da noite os três filhos foram ter à presença do ancião. Disse o primeiro: - Evitei hoje meu pai, todas as palavras inúteis. Espero, portanto, merecer (segundo a vossa promessa) o prêmio combinado – prêmio esse de vinte e três timões, conforme deveis estar lembrado. O segundo aproximou-se do velho, beijou-lhe as mãos, e limitou-se a dizer: - Boa noite, meu pai! O mais moço, finalmente, não pronunciou palavra, aproximou-se do velho e estendeu-lhe apenas a mão para receber o prêmio. O mercador, ao observar a atitude dos três rapazes, assim falou: - O primeiro, ao chegar à minha presença, fatigou-me a atenção com várias palavras inúteis; o terceiro mostrou-se exageradamente lacônico. O prêmio caberá, pois, ao segundo, que foi discreto sem verbosidade e simples sem afetação. E Beremiz, ao concluir, interpelou-me: - Não acha que o velho mercador agiu com justiça, ao julgar os três filhos? Nada respondi. Achei melhor não discutir o caso dos vinte e três timões com aquele homem prodigioso que reduzia tudo a números, calculava médias e resolvia problemas.

Autor: Júlio Cesar de Mello e Sousa em “O Homem que Calculava” pagina 17 (Cap. V) 


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